Parece-me que chegámos ao fim de uma era qualquer. Parece-me, aliás, a mim, que chegámos ao início de outra há algum tempo. Talvez tenha sido eu que não quis ver que era o fim de um tempo mais bonito que o de agora.
Lembro-me tão bem daquela cadeira rasgada, com os braços queimados do sol, borbulhando o plástico e enferrujando o metal dos pés. Lembro-me tão bem daquela cadeira. De tecido xadrez azul escuro, azul claro e branco. Lembro-me tão bem de coloca-la na posição perfeita para conseguir pousar os pés no muro sempre mal pintado. De forma a que quando saísse só restavam os braços carregados de ferrugem e os pés levando a tinta branca e laranja do muro.
E a imagem é só uma. Essa imagem descreve perfeitamente a minha infância, quase que poderia fazer-me dizer que foi uma época feliz.
É engraçada essa tendência do ser humano em dizer que tudo o que passa foi bom, porque já não volta. Engraçada essa necessidade de amarmos algo que não podemos ter. Uma viagem que na verdade foi mais destrutiva que construtiva mas que parece ter deixado as melhores memórias de uma vida. Essas ilusões quase que diárias que nos cultivam a acreditar que tudo vale apena.
Mas e se não valer? O que acontece quando percebemos que, na verdade, há muita coisa que simplesmente não vale apena? A mim custa-me. Demoro a aceitar. Demoro a acreditar, acima de tudo.
Se deixarmos de acreditar, o que acontece com o Mundo?
O que acontece com o Mundo se, de um momento para o outro, percebermos que não devíamos acreditar? Em um gesto, uma palavra, um momento, uma noite, um amor...?
Se eu me tornar nessa pessoa fria e desconfiada...o que vai acontecer com o meu Mundo?
E, por isso, chegámos a outra era. A era da mudança inevitável. Aquelas mudanças que temos de fazer mesmo quando não queremos. Especialmente se não queremos. Aquelas mudanças em que temos de mover todos os móveis em casa, encontrar pedaços de nós esquecidos de baixo do sofá, chorarmos por eles e, depois, seguir em frente de barriga cheia. Ou vazia, tanto faz. Mas seguir em frente, sempre.
E o que acontece com o Mundo? O mesmo de sempre. Ele continua a girar. Para a esquerda, para a direita. Ora gira ao contrário, ora gira no tempo e direção certa. Ora cheio de certezas, ora cheio de dúvidas.
A mudança. Essa palavra que assusta o mundo. As pessoas têm medo que as coisas mudem. Esse é o medo comum. Que o bom se transforme no mau. Que num dia de céu aberto comece a chover. Que no trabalho sejam despedidas. Que o senhorio não perca a vontade de alugar a casa por mais 1 ano. Que o namorado deixe de gostar. Que os amigos deixem de gostar. Que o bar favorito feche. Que as noites de quinta, sexta e sábado acabem.
As pessoas têm medo da mudança. Do novo, do desconhecido, do por-viver. Querem estabilidade, querem assentar, comprar casa, carro, TV por assinatura. Querem pagar com cartão para poderem compromissar alguma coisa. Querem uma aliança no dedo, um amor na cama e no coração. Durante todo o tempo, o tempo todo.
As pessoas, hoje em dia, têm medo da mudança. Eu tenho medo que as coisas nunca mudem.