04/03/2012

Descansa em paz, dizem eles.

Sempre tentei não ser vulgar. Sempre.
Sempre tive esse medo de ser vulgar, esse medo de ser só mais uma pessoa a passear pelo mundo. De não ter um destino certo e importante, de não ter um objectivo diferente e revelador.

Sempre tentei não ser vulgar.

E nunca pensei chegar ao dia em que desejo, do mais fundo do meu coração, ter uma vida vulgar.

Foram tantas coisas por explicar. Tantas coisas que fizeram de mim a pessoa que sou hoje. Tantos pontapés, tantos choros, tantas coisas que marcaram, que deixaram patas de sangue espalhadas pelo meu corpo. Que me arrancaram os órgãos e os repuseram de forma desordenada. Tantos dias que me sentava naquele banco de pedra frio e chorava, simplesmente. E achava que a vida era assim mesmo, difícil. Que todas aquelas coisas aconteciam às outras crianças e adolescentes. Que todos passávamos por isso e um dia íamos todos crescer da mesma forma.

Mas no dia daquele telefonema percebi que comigo era diferente. Que as pedras no meu caminho era maiores que todas as outras. Que os obstáculos pareciam tão altos que eu não lhes via o fim. Foi no dia em que a visitei no hospital e ela estava ligada por mil tubos que percebi que a minha vida era diferente.

E toda essa vulgaridade de que tinha medo, foi se embora nesse dia. Abandonou-me para sempre.

E eu só podia escolher uma coisa, ou deixar que todas as patas de sangue fizessem de mim a pessoa mais forte e invencível do mundo ou deixar que tudo isso me transformasse em insegurança, medo, desespero e pena.

Nesse dia escolhi ser forte e pouco chorei. Mas foi uma decisão fraca, tão fraca que, hoje, quando me pisam de novo sinto a dúvida a surgir. Sinto essa necessidade de me deitar na cama e deixar-me embalar nessa tristeza profunda de viver essa vida de desaforos.

São folhas que caem. Folhas que caem sempre quando não estamos a espera. Folhas que pensamos serem fortes e depois caem sem aviso prévio. Folhas que, de repente, vemos no chão e dói tudo. Dói o coração e o cérebro. E doem os braços e as pernas. E dói tudo. Doem as recordações e o que ficaram delas.



Hoje foi um desses dias. Uma folha que caiu. E quando as folhas caem as pessoas dizem "descansa em paz", por isso eu espero também que descanses em paz.

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