20/03/2010

Uma questão de Sangue .

Lembrava-me de ti de cabelo escuro, meio encaracolado nas pontas. Sempre solto.
Lembrava-me de ti com uma bengala, baixando as costas.
Lembrava-me de ti a falar alto, entre os poucos dentes que tinhas. Nenhum em cima e 4 em baixo.

Hoje chegou (finalmente?) o dia.
Olhei para ti e nem me reconheceste.
Quando ouviste a minha voz e percebeste que era para ti soltaste um Ai. Um Ai amoroso. Um amoroso teu. Mesmo peculiar.

Não me lembrava de como eras. De como respiravas devagar. De como olhavas sempre para as pessoas de baixo para cima. De como fechavas a boca com o lábio de cima tapado pelo de baixo.

Em como falavas.
Em como eras engraçada a falar.
Em como eras despachada.
Em como barafustavas em voz alta.
A minha mãe mandou-te calar. E nessa altura identifiquei-me contigo. Com essa voz alta e respondona, aquele tom de brincadeira irritante.
Saí a ti...será?

Não estava a espera de te abraçar. De te dar um beijinho. E te pôr pingos nos olhos. De me rir das tuas parvoeiras.
Estava a espera de não conseguir. De não te perdoar. De não querer estar ali. De não querer estar ao pé de ti.

Mas foi bom. Não é que tenha esquecido tudo. Não é como se não se passasse nada. Mas...fiquei com a estranha sensação de ter perdido o teu tempo.
De ter faltado à tua velhice. De não estar contigo. De te ir ver agora só porque estavas no hospital.

Agora não quero que partas. Agora quero ao menos te conseguir perdoar. Porque até gosto de ti...apesar de isso ser uma questão de sangue.



O tempo corre ao teu lado. E só espero que não te percas nele.
Só espero conseguir segurar-te a mão quando o relógio parar.

4 comentários:

zarinha disse...

:')
eu disse que tinhas a quem sair...aproveita ao maximo...eles depois nao voltam mais...

Morcegos no Sótão disse...

fiquei atordooado. foi dos melhores que escreveste. adoro-te.

Guess.

Ninhas disse...

És tão grande, minha Margarida.

Anónimo disse...

Lindo!